O modernismo brasileiro foi um amplo movimento cultural que repercutiu fortemente sobre a cena artística e a sociedade brasileira na primeira metade do século XX.
Em comparação com outros movimentos também denominados modernistas, foi desencadeado tardiamente, na década de 1920. O modernismo brasileiro resultou, em grande parte , da assimilação de novas tendências artísticas e culturais lançadas pelas vanguardas européias anteriormente à Primeira Guerra Mundial, tais como Cubismo e Futurismo. Pode-se dizer, contudo, empregando a simbólica lançada por um dos mais notáveis modernistas brasileiros, Oswald de Andrade, que a assimilação dos modernismos europeus pela vanguarda brasileira fez-se de maneira "antropofágica". Os modernistas no Brasil tenderam, portanto, a "filtrar" a influência dos seus colegas europeus, e a rearranjar os elementos artísticos provindos de fora de modo a ajustá-los às singularidades culturais brasileiras. O impacto mais notável do modernismo brasileiro deu-se no campo da literatura e das artes plásticas.
"Todo este sangue de mil raças / corre em minhas veias / sou brasileiro / mas do Brasil sem colarinho / do Brasil negro / do Brasil índio." --Sérgio Milliet
Tradicionalmente, considera-se a Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo, em 1922, o ponto de partida do modernismo no Brasil. Todavia, não se pode afirmar que todos os participantes da Semana tenham sido modernistas: o pré-modernista Graça Aranha foi um dos oradores. Apesar de não ter sido dominante no começo, como atestam as vaias da platéia da época, este estilo, com o tempo, suplantou os anteriores. Era marcado por uma liberdade de estilo e aproximação da linguagem com a linguagem falada; os de primeira fase eram especialmente radicais quanto a isto.
Didaticamente, divide-se o Modernismo em três fases: a primeira fase, mais radical e fortemente oposta a tudo que foi anterior, cheia de irreverência e escândalo; uma segunda mais amena, que formou grandes romancistas e poetas; e uma terceira, também chamada Pós-Modernismo por vários autores, que se opunha de certo modo a primeira e era por isso ridicularizada com o apelido de neoparnasianismo.
Referências históricas
- Início do século XX: apogeu da Belle Époque. O burguês comportado, tranqüilo, contando seu lucro. Capitalismo monetário. Industrialização e Neocolonialismo.
- Reivindicações de massa. Greves e turbulências sociais. Socialismo ameaça.
- Progresso científico: eletricidade. Motor a combustão: automóvel e avião.
- Concreto armado: “arranha-céu”. Telefone, telégrafo. Mundo da máquina, da informação, da velocidade.
- Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa.
- Abolir todas as regras. O passado é responsável. O passado, sem perfil, impessoal. Eliminar o passado.
- Arte Moderna. Inquietação. Nada de modelos a seguir. Recomeçar. Rever. Reeducar. Chocar. Buscar o novo: multiplicidade e velocidade, originalidade e incompreensão, autenticidade e novidade.
- Vanguarda - estar à frente, repudiar o passado e sua arte. Abaixo o padrão cultural vigente.
Primeira geração (1922-1930)
Caracteriza-se por ser uma tentativa de definir e marcar posições. Período rico em manifestos e revistas de vida efêmera. Um mês depois da SAM, a política vive dois momentos importantes: eleições para Presidência da República e congresso (RJ) para fundação do Partido Comunista do Brasil. Ainda no campo da política, surge em 1926 o Partido Democrático que teve entre seus fundadores Mário de Andrade. É a fase mais radical justamente em conseqüência da necessidade de definições e do rompimento de todas as estruturas do passado. Caráter anárquico e forte sentido destruidor. Principais autores desta fase: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida e Plínio Salgado.
Características
Busca do moderno, original e polêmico.
Nacionalismo em suas múltiplas facetas.
Volta às origens e valorização do índio verdadeiramente brasileiro.
“Língua brasileira” - falada pelo povo nas ruas.
Paródias - tentativa de repensar a história e a literatura brasileira.
A postura nacionalista apresenta-se em duas vertentes:
nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da realidade, identificado politicamente com as esquerdas.
nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes de extrema direita.
Manifestos e revistas
Revista Klaxon — Mensário de Arte Moderna (1922-1923)
Recebe este nome, pois klaxon era o termo usado para designar a buzina externa dos automóveis. Primeiro periódico modernista, é conseqüência das agitações em torno da SAM. Inovadora em todos os sentidos: gráfico, existência de publicidade, oposição entre o velho e o novo.
“— Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para diante, sempre, sempre.”
Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924-1925)
Escrito por Oswald e publicado inicialmente no Correio da Manhã. Em 1925, é publicado como abertura do livro de poesias Pau-Brasil de Oswald. Apresenta uma proposta de literatura vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil.
“— A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela sob o azul cabralino, são fatos estéticos.”
“— A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.”
A Revista (1925-1926)
Importante veículo responsável pela divulgação dos ideais modernistas em Minas Gerais, apesar da vida breve. Teve apenas três números e contava com Drummond como um de seus redatores.
O texto para os céticos, publicado como editorial do primeiro número de “A Revista”, é um libelo contra os escritores engessados, que ele diz haver muitos no Brasil da época – “Assim Deus Nosso Senhor mandasse uma epidemia que os reduzisse à metade! - e é também um clamor para a mudança, perceptível em “Ação quer dizer vibração, luta, esforço construtor, vida".
Nascido na pacata cidade mineira de Itabira do Mato Dentro, em 31 de outubro de 1902, Carlos Drummond de Andrade mostrou interesse por escrever, publicando prosa e poesia em jornais e revistas locais. As impressões de sua cidade natal se fariam notar em muitas obras de sua intensa produção poético-literária.
Foi com a mudança para Belo Horizonte, no início da década de 1920, que a carreira literária de Drummond ganhou impulso. Ele começou a colaborar como cronista no jornal Diário de Minas e integrou-se ao movimento Modernista de seu Estado, com Pedro Nava, Emílio Moura e outros.
É nesse momento, em 1925, que ele funda “A Revista”, na qual o grupo modernista mineiro propunha uma reformulação dos padrões estéticos da literatura brasileira, influenciado pelas revistas modernistas feitas pelos paulistas e cariocas, uma revista cultural idealista em que modernistas do país inteiro coloriam suas páginas.
“A Revista” abrigou em suas páginas a novela de Mário de Andrade, Amar, verbo intransitivo, o poema panfletário de Manuel Bandeira, “Poética”, onde Bandeira declara sua aversão ao lirismo comedido, e a publicação de uma conferência proferida por Freud nos Estados Unidos, em que o psicanalista alerta o mundo para sua descoberta do inconsciente. Encerrava-se em 1926 essa aventura.
De forma poético-prosa, Drummond alega que os “moços” à frente da publicação estão prontos para vencer no que se propuseram a fazer, mas que, se perderem, aceitaram sem chamar de nomes o meio belo horizontino, pois “a derrota é ainda o menos feio dos pecados e o mais confessável”. Explica que aqueles tempos (nos quais ele escreve) o público já andava indiferente, devido a tantas produções artísticas novas, ao que ele chama de bluffs literários.
Em outro parágrafo, diz que são jovens e, não, românticos. Mesmo assumindo que para alguns um é o mesmo que o outro, Drummond diz que não são lunáticos e que se tiver que escolher algum romantismo, será o da mocidade, pois é o da ação. Eles são a favor da “ação intensiva em todos os campos” e também pela “renovação intelectual do Brasil, renovação que se tornou um imperativo categórico”.
Podemos dizer que os mineiros responsáveis pela “A Revista” olham para a tradição sem a esquecer, mas sem a obedecer, assim como para as vanguardas, que as consideram, mas também não as seguem.
O discurso panfletário de Drummond pode ser explicitado no trecho seguinte: “Contra esse opressivo estado de coisas é que a mocidade brasileira procura e deve reagir, utilizando as suas puras reservas de espírito e coração”.
A Revista, segundo o autor, era uma obra de refinamento interior, que deveria ser veiculada pelos meios pacíficos do jornal, tribuna e da cátedra, sendo isso o que nos faz democratas.
A talvez mais importante frase desse Editorial seja justamente a última, em que Drummond diz que depois da destruição “do jugo colonial e do jugo escravista, e do advento da forma republicana, parecia que nada mais havia a fazer senão cruzar os braços. Engano. Resta-nos humanizar o Brasil.” Pode-se dizer então que, para ele, a poesia não está alheia aos problemas sociais, como o veremos fazer, mais tarde, no poema sobre a pedra, que é uma completa subversão das formas instituídas, podendo o seu assunto ser levado ao âmbito social.
O editorial, publicado em 1° de Julho de 1925, é atemporal, sendo “moderno” até hoje.
Verde-Amarelismo (1926-1929)
É uma resposta ao nacionalismo do Pau-Brasil. Grupo formado por Plínio Salgado, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida e Cassiano Ricardo. Criticavam o “nacionalismo afrancesado” de Oswald. Sua proposta era de um nacionalismo primitivista, ufanista, identificado com o fascismo, evoluindo para o Integralismo de Plínio Salgado (década de 30). Idolatria do tupi e a anta é eleita símbolo nacional. Em maio de 1929, o grupo verde-amarelista publica o manifesto "Nhengaçu Verde-Amarelo — Manifesto do Verde-Amarelismo ou da Escola da Anta".
Manifesto Regionalista de 1926
1925 e 1930 é um período marcado pela difusão do Modernismo pelos estados brasileiros. Nesse sentido, o Centro Regionalista do Nordeste (Recife) busca desenvolver o sentimento de unidade do Nordeste nos novos moldes modernistas. Propõem trabalhar em favor dos interesses da região, além de promover conferências, exposições de arte, congressos etc. Para tanto, editaram uma revista. Vale ressaltar que o regionalismo nordestino conta com Graciliano Ramos, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz, Jorge Amado e João Cabral - na 2ª fase modernista.
Revista Antropofagia (1928-1929)
Características Antropofágica: De degluticção, devoração crítica das vanguardas e culturas européias, de modo a recriá-las, tendo em vista a redescoberta do Brasil em sua autenticidade primitiva.
Representantes: Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Raul Boppe, Antônio de Alcântara Machado e Oswaldo Costa (grande jornalista, modernista e nacionalista)...
Contou com duas fases (dentições): a primeira com 10 números (1928 e 1929) direção Antônio Alcântara Machado e gerência de Raul Bopp; a segunda foi publicada semanalmente em 16 números no jornal Diário de São Paulo (1929) e seu “açougueiro” (secretário) era Geraldo Ferraz. É uma nova etapa do nacionalismo Pau-Brasil e resposta ao grupo Verde-amarelismo. A origem do nome movimento está na tela “Abaporu” (O que come) de Tarsila do Amaral.
1ª fase - inicia-se com o polêmico manifesto de Oswald e conta com Alcântara Machado, Mário de Andrade (2º número publicou um capítulo de Macunaíma), Carlos Drummond (3º número publicou a poesia “No meio do caminho”); além de desenhos de Tarsila, artigos em favor da língua tupi de Plínio Salgado e poesias de Guilherme de Almeida.
2ª fase - mais definida ideologicamente, com ruptura de Oswald e Mário de Andrade. Estão nessa segunda fase Oswald, Bopp, Geraldo Ferraz, Oswaldo Costa, Tarsila, Patrícia Galvão (Pagu). Os alvos das críticas (mordidas) são Mário de Andrade, Alcântara Machado, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e Plínio Salgado.
“SÓ A ANTROPOFAGIA nos une, Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. / Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. / De todos os tratados de paz. / Tupi or not tupi, that is the question.” (Manifesto Antropófago)
“A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: — Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.” (Revista de Antropofagia, nº 1)