De maneira bastante original Pecoraro, avalia o niilismo sob duas formas. O niilismo pode ser considerado como "um movimento “positivo” – quando pela crítica e pelo desmascaramento nos revela a abissal ausência de cada fundamento, verdade, critério absoluto e universal e, portanto, convoca-nos diante da nossa própria liberdade e responsabilidade, agora não mais garantidas, nem sufocadas ou controladas por nada". Mas também pode ser considerado como "um movimento “negativo” – quando nesta dinâmica prevalecem os traços destruidores e iconoclastas, como os do declínio, do ressentimento, da incapacidade de avançar, da paralisia, do “tudo-vale” e do perigoso silogismo: se Deus (a verdade e o princípio) está morto, então tudo é permitido".
Mas o que é, propriamente, o niilismo? Pecoraro lembra que os estudos mais importantes sobre o tema o consideram como "um fenômeno histórico, como um evento ligado à Modernidade e à sua crise". Sempre seguindo as páginas introdutórias do seu livro podemos afirmar que as as primeiras ocorrências do termo remontam à Revolução Francesa quando foram definidos como “niilistas” os grupos “que não eram nem a favor nem contra a Revolução”. Por outro lado, indo além "da pretensa paternidade do termo reivindicada por Turgueniev no conto "Pais e Filhos", o primeiro uso propriamente filosófico do conceito pode ser localizado, sem dúvida, no final do século XVIII, ao longo dos debates e das disputas que caracterizam a fundação do idealismo – mais especificamente na carta, escrita em 1799, de F. H. Jacobi a Johann Fichte na qual o idealismo é acusado de ser um niilismo. Filósofos como Schlegel e Hegel intervêm na discussão servindo-se do termo. Na Rússia, uma vez saído do restrito âmbito filosófico e literário para o plano social e político, o niilismo passa a designar um movimento de rebelião contra a ordem estabelecida, o atraso, o imobilismo da sociedade e os seus valores. É com Nietzsche - assinala Pecoraro - "que a reflexão filosófica sobre o niilismo alcança o seu mais alto grau, com um pensamento radical que mostra as origens mais remotas do fenômeno, como o platonismo e o cristianismo. Assim, não só diagnostica a doença do nosso tempo, como tenta indicar um remédio". O século XX é, como ele diz claramente, "o século do niilismo (...) que impregna a atmosfera cultural de toda uma época e transforma-se em uma “categoria” fundamental no laboratório filosófico contemporâneo". Dentre os autores e movimentos mais significativos que se defrontaram com o conceito, Pecoraro destaca: 1) Martin Heidegger e Ernst Jünger; 2) o renovado pela filosofia nietzschiana na França particularmente as reflexões de G. Deleuze; 3) a filosofia "desesperada e negativa" de Emil Cioran; 4) a visão de niilismo como essência do Ocidente de Emanuele Severino (pensador italiano); 5) a obra de Jacques Derrida; 6) as reflexões de Jean-Luc Nancy; 7) o “pensamento fraco” e a apologia do niilismo de Gianni Vattimo.
Concepção Nietzscheana de Niilismo
Niilismo-passivo - Segundo Nietzsche, o niilismo passivo, ou niilismo incompleto, podia ser considerado uma evolução do indivíduo, mas jamais uma transvaloração de valores, i.e., mudança nos valores. Através do anarquismo ou socialismo compreende-se um avanço; porém, os valores demolidos darão lugar para novos valores. É a negação do desperdício da força vital na esperança vã de uma recompensa ou de um sentido para a vida; opondo-se frontalmente a autores socráticos e, obviamente, à moral cristã, nega que a vida deva ser regida por qualquer tipo de padrão moral tendo em vista um mundo superior, pois isso faz com que o homem minta a si próprio, falsifique-se, enquanto vive a vida fixado numa mentira. Assim no niilismo não se promove a criação de qualquer tipo de valores, já que ela é considerada uma atitude negativa.
Niilismo-ativo - ou niilismo-completo, é onde Nietzsche se coloca, considerando-se o primeiro niilista de facto, intitulando-se o niilista-clássico, prevendo o desenvolvimento e discussão de seu legado. Este segundo sentido segue o mesmo rumo, mas propõe uma atitude mais activa: renegando os valores metafísicos, redireciona a sua força vital para a destruição da moral. No entanto, após essa destruição, tudo cai no vazio: a vida é desprovida de qualquer sentido, reina o absurdo e o niilista não pode ver outra alternativa senão esperar pela morte (ou provocá-la). No entanto, esse final não é, para Nietzsche, o fim último do niilismo: no momento em que o homem nega os valores de Deus, deve aprender a ver-se como criador de valores e no momento em que entende que não há nada de eterno após a vida, deve aprender a ver a vida como um eterno retorno: sem isto, o niilismo será sempre um ciclo incompleto...
O fenômeno cultural russo conhecido como niilismo se desenvolveu durante o reinado de Alexandre II (1881-1885), czar de caráter liberal e reformista. A década de 1860 é considerada a década do niilismo. A perda da Guerra da Crimea (1854-1856), a abertura do regime ao exterior (abertura não só econômica, mas também cultural e ideológica) e as relativas liberdades concedidas pelo czar - por exemplo, na imprensa - propiciaram um ambiente adequado para o desenvolvimento dessa nova subcultura. De caráter fundamentalmente intelectual, o niilismo representou uma reação contra as antigas concepções religiosas, metafísicas e idealistas. Os jovens, retratados como rudes e cínicos, combateram e ridicularizaram as idéias de seus pais. Sua sinceridade atacava a ofensa e o mau gosto, e parece que esta atitude foi o que mais definiu esse movimento. Essa atitude negativa e de desprezo ficou perfeitamente retratada no personagem Bazarov do romance "Pais e Filhos", de Turgueniev, assim como pelo personagem Ivã Karamazov, na obra Irmãos Karamazovi, de Fiódor Dostoievski.
No extremo sentimentalismo de seus pais esses jovens só viam uma forma de hipocrisia. Observavam como seus românticos pais exploravam seus servos, maltratavam suas esposas e impunham uma disciplina estrita em seus lares e, paradoxalmente, logo depois se dedicavam a fazer poemas e exibir um comportamento ridículo, como ilustrou posteriormente o conhecido anarquista Kropotkin em suas "Memórias de um revolucionário" (1899). Os niilistas rechaçavam e abandonavam em nome do progresso tudo o que não podia ser justificado cientificamente, como superstições, preconceitos e costumes. Criticavam as posições esteticistas na arte por se regozijarem com a beleza do abstrato e por carecer de uma utilidade social real. Adotaram também uma postura ética utilitarista denominada "egoísmo racional", com base na qual buscaram redefinir as relações sociais em âmbitos como a amizade, o amor e o trabalho.
O niilismo foi um movimento cultural que influenciou a juventude aristocrática russa na segunda metade do século XIX. A maioria dos seus adeptos era a favor de reformas democráticas e da abolição da servidão do sistema do Kreopostnoje Pravo, razões pelas quais foram posteriormente perseguidos. Em suas Memórias de um Revolucionário, Piotr Kropotkin o descreve:
- Em primeiro lugar, o niilista declarou guerra contra o que ele descreveu como "as mentiras convencionais da humanidade civilizada." Sinceridade absoluta era a sua marca registrada, e em nome dessa sinceridade ele renunciava, e pedia aos outros que também renunciassem, às supertições, preconceitos, hábitos e costumes que sua razão não pudesse justificar. Ele recusava a dobrar-se à autoridade exceto à da razão, e na análise de cada instituição social ou hábito ele se revoltava contra toda sorte de sofisma mais ou menos mascarado.
- Essas pessoas não tinham nenhum ideal de reconstrução social em mente, nenhuma intenção revolucionária. Elas apenas queriam ensinar a massa de camponeses a ler, instruí-los, dar auxílio médico, e ajudá-los de qualquer forma a sair da escuridão e miséria, e aprender ao mesmo tempo quais eram seus ideais populares de uma melhor vida social.
George Kennan, um americano que visitou a Rússia czarista, também se surpreendeu com a idéia de que os niilistas russos eram "arremessadores de bombas", então prevalente nos países ocidentais. Para ele, aqueles eram apenas cidadãos pacíficos, que sinceramente esperavam que o governo melhorasse a situação de seus súditos.
O governo czarista não discriminava os opositores pacíficos dos adeptos da violência, e a repressão policial sufocou o movimento. Em conexão com o recrudescimento do regime, um grupo chamado de Pervomartovtsi, pertencente ao Narodnaya Volya (Vontade do Povo) assassinou o Czar. Essa ação foi atribuída aos niilistas. Entretanto, esta afirmação não faz sentido: jamais houve uma organização formal que ligasse os niilistas, nem arcabouço teórico que os unificasse, e muito menos líderes tomando decisões como a de assassinar o Czar. O movimento niilista foi espontâneo, e estava muito mais ligado aos valores pessoais do que à actividade política propriamente dita.
Como Nietzsche prevera, o assunto ganhou grande atenção, mas só quando do advento da Primeira Guerra Mundial e os avanços científicos. Nesta época sobrelavaram autores como Spengler e Max Weber. Mas, pouco mais tarde foram Heidegger e Habermas que discutindo o niilismo legaram brilhantes reflexões.
Naturalmente o termo encontrou novas significações e derivações, das quais podemos destacar o niilismo-existencialista de Sartre e o niilismo-gnóstico/niilismo-absurdista de Albert Camus, sendo que, este último, se aproxima do misticismo, enquanto Sartre reprova qualquer divinização.