É o mundo se acabando!



Regente: Marte
- Este período pode colocar em seu caminho romances secretos, paixões proibidas. Não se espante se receber uma bela declaração de amor surpresa ou viver o fenômeno do amor a primeira vista.
Todo dia eu leio o horóscopo. Não sei responder exatamente porque. Igual a metade das coisas que faço. Acho que estou sempre a procura das coincidências. Como no caso acima.
Semana passada conseguiu ser retratada em um parágrafo. Estava querendo me declarar a uma garota, ao mesmo tempo recebi um telefonema de uma garota se dizendo minha admiradora secreta. Ela já tinha me ligado a cobrar e como mantenho desde o inicio do ano um diário de tudo de incomum que me acontece no dia a dia. Consegui descobrir o numero dela, quando veio a conta telefônica. Minha atenção ficou presa nisso, me impedindo de me aproximar adequadamente da garota que estou interessado.
Ela sempre vai a um evento no qual trabalho. Antes tinha namorado. Um conhecido meu. Motivo pelo qual todas as pessoas que nos conhecem, me alertaram a não me aproximar dela. Volta e meia esbarro com ela. Se não no evento, na casa de algum amigo, por um motivo esdrúxulo qualquer. Tentei de propósito ignora-la, pois ela apesar de bonita me parece ser uma pessoa difícil. Do tipo que mqwertyuiop´[asdfghjklç~/\zxcvbnm,.;1234567890-=], ou seja, introspectiva. Como eu vale ressaltar.
Hoje a única coisa que tenho é o telefone de minha admiradora. Resolvi não ligar, e assim manter o suspense por algum tempo.
Escrevo esse texto, tendo já em minha cabeça o tamanho dele e que outros assuntos abordar. Ele ainda não tem nome. Talvez por não saber ainda o quanto dele será destinado a minha vida e o quanto será ficção.
Na televisão um filme de tribunal e prisão entretém minha irmã. Minha cabeça começa a latejar, fruto do mau descanso de dois dias em claro. Tenho que sair e devolver uns cds a um amigo meu. Como acordei a pouco, isso significa que sairei sem almoçar de novo. A personagem principal é uma professora. Que diz ter machucado pessoas próximas a ela. Problema dela. Professoras são como madrastas, querem ser sua mãe, mas isso pode nunca acontecer.
Adoro divagar, geralmente mostra alguma verdade sobre mim.
Começo a me arrumar. Pego novamente o jornal. Na seção de informática a um comentário meio com cara de lenda, dizendo que na casa do Bill Gates, um crachá identifica as pessoas, que ao entrarem ouvem sua musica preferida.
Clair de Lune- Debussy
Sempre a toco para as pessoas que eu gosto. Apesar da ultima vez, em retrospecto ter sido meio deprimente. Eu tava chorando que nem um bebe, porque uma garota com quem eu tava ficando ia voltar pro estado dela. Coloquei a musica e pedi a ela que ela que lembra-se desse momento. Perto do meio da musica ele olha para mim e diz: piano.
O telefone toca. É o namorado da minha irmã. Conversa com a minha irmã sobre a prova que fez na auto-escola.
Coloco a única camisa meio limpa que encontro.
Arrumando a mesa do computador para desliga-lo encontro a conta do telefone. Ela por si só é um problema, aumentando a cada mês, em função da internet, que uso para msn, blog, orkut e procura de informação inútil. Escondo ela no mesmo lugar. Não. Coloco na cama da minha mãe.
Minha irmã se cansa da historia da professora e poe num filme de ficção cientifica. Onde um grupo de cientistas birutas tentam convencer o pentágono a custear uma viagem ao núcleo da terra. Ela sai da sala. Demonstrando seu desprezo por qualquer explicação pretensiosa que o roteirista possa ter criado.
Chega dessa merda. Desligo a tv e ligo o som. Um cd toca, me recordo que é um dos que terei que devolver. Fazer o que.
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Sim.
Minhas mãos sujas de tinta vermelha tocam o teclado novamente. De volta da casa do Iky, penso a respeito da conversa que tivemos. Para ele tudo é energia tentando equilibrar-se. Seguindo o instinto através da intuição. A percepção do sutil e do denso. Iky gosta do termo. Reflete sobre a maneira ocidental desse tipo de aprendizado. Independente de milagres e epifanias.
Me lembro da estória de Odin que para ter o conhecimento do universo teve que dar seu olho. O conhecimento tem seu preço. Problemas nos rins dentre outros.
Fly chega. Inspirados pela fumaça que sobe, grafitam um desenho na parte de trás da minha camisa. Empolgados, grafitam quase todas as roupas visíveis, deles e das mulheres presentes.
Volto pra a casa e inicio a estória.

Ele fecha os olhos e por um minuto dorme, sendo acordado pela mão de seu amigo. Num reflexo ele chuta com a perna direita, o policia amarrado e amordaçado no chão perto dele. Seu amigo se levanta. Já são 16 horas dentro da cabine da policia, esperando a situação no morro vizinho acalmar para voltarem para lá. Armados com 4 pistolas e agora dois fuzis dos policiais. Acordados com cara de cu no chão da cabine. Eu me levanto, no final de uma ruela à direita vejo a blaiser. Saímos rapidamente da cabine pela janela, entrando numa rua paralela. Um dos policiais no carro diz alguma coisa que não ouço direito, mas me faz correr, sentindo que nos perceberam e devem tentar nos cercar. Passamos um quarteirão e viramos a esquerda nos distanciando deles. Neste momento meu amigo pula o muro de uma casa. Entrando numa porta entreaberta. Olho para trás e ouço apenas suas vozes bradando direções, decido segui-lo. Entro na casa. Ele esta no chão sagrando. Na frente dele um velho com uma espada medieval, resmunga coisas e coloca seus braços pra trás, preparando um novo golpe. Acerto dois tiros na cara dele, que o jogam numa poltrona no fim da sala. Tiro o fuzil dele e o levanto chigando ele. Vamos até a cozinha. Som de tiros lá fora. Talvez uma rua de distancia.
Desligo a tv.
Na mesma favela uma câmera e religada dentro do carro blindado da policia conhecido como caveirão. O capitão sentado no carro no banco do carona diz, para estacionarem na frente de uma casa com a porta aberta. Interior da casa a direita, repete duas vezes ele. A todo momento ouço tiros as vezes longe noutras perto. Quando entramos fomos recebidos por uma granada na dianteira. Me lembro de ter ouvido sobre um que virou com duas granadas embaixo. Não tive coragem de pergunta a eles se isso havia acontecido ou não.
O que aconteceu seu merda? Ele cai no chão e começa a se debater e babar. Epilético filho da puta. Largo ele ali e saio pelo fundos, subindo o telhado da casa vizinha. Passo vários tetos de cimento caindo numa viela. Sem fuzil, com uma pistola em cada mão, corro rua abaixo. Vejo o asfalto a duas quadras de mim.
Alguém passa correndo de uma viela pra outra uma rua na frente. Assustado, dou um tiro com a minha arma da direita numa vidraça a minha esquerda, próximo da esquina. Olho para arma na canhota e vejo que esta travada. Burro, fica chamando atenção sem poder de fogo. Destravo ela e coloca as duas em modulo de repetição.
Chego no asfalto tiros são ouvidos no alto do morro. Na minha frente uma D20 vira da segunda transversal a esquerda em direção a entrada da favela.
Nesse momento eu ouço um estrondo enorme. O carro, fácil a cem por hora, parece estar vindo devagar. Atrás dele na rua um muro branco de quatros metros de altura avança pelas ruas. Tragando pessoas e carros para dentro dele. Fica assustado e corro de volta pra favela. A D20 da uma guinada para atrás de uma banca de jornal, não ha tempo de ser varrido pra frente pela onda. O barulho aumenta reverberando muitas colisões. A onda bate nas primeiros prédios na fronteira de Jerusalom, levando as mesas de todos os bares. Algumas casas caem com o impacto da onda, diminuindo conforme sobe a ladeira diminui rapidamente o tamanho, chegando as minhas pernas já com um metro. Força suficiente apenas pra me derrubar e me levar por uns cinco metros.
Me levanto e caminho até um poste me segurando nele. A onda começa a voltar arrastando cadeiras, caixas de madeira e alguns desavisados que tentam atravessar para algum lugar supostamente mais seguro.
Alguns gritam por socorro, outros querendo socorrer. A D20 gira de cabeça pra baixo sem sinal dos policiais. A luz do poste a minha frente acende e depois apaga. Olho para o céu, que escurece rapidamente. No final da rua em que estou o caveirão reaparece, e decido descer em direção das águas. Virando a esquerda na primeira transversal, onde enfrento uma forte correnteza que bate quase na minha cintura.
Vejo varias cabeças para fora das janelas a minha direita. Algumas apontam para mim, outras para algum carro submerso ou objeto sendo levado pela água.
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Sim.
Jornais enroscam nas minhas pernas. Percebo-me segurando duas pistolas. Provável motivo dos olhos em mim. Decido ficar com uma e largo a outra numa lata de lixo. Muitas coisas passam boiando. Catalogo de lojas, sacos plásticos de supermercado, filipetas e uma bolsa vermelha de mulher. Que pego em minha mão direita e abro com a pistola. Dentro batom, catalogo de loja, celular, carteirinha de estudante e cinqüenta reais. Coloco o dinheiro num bolso e jogo a bolsa fora.
Mais jornais passam boiando, dos quais desvio. Neles leio de relance a noticia. No Brasil um celular é comprado a cada minuto.
Passo por uma transversal onde a correnteza fica mais forte. No final dela vejo de relance uma enorme labareda de dois metros de largura por dois de altura saindo de dentro da água, estourar vários fios de um poste de luz próximo.
Eis então que um grito chama minha atenção. A um quarteirão a minha frente, uma garota apenas com os braços e a cabeça para fora da água, luta contra a correnteza que puxa tudo na direção da transversal à direita.
Uma pessoa com uniforme das casas Bahia na esquina segurando numa moto acorrentada, olha para o céu, catatônico. Estou longe demais. Grito para o casas Bahia. Ele me ignora. A garota esta quase passando por ele, já sem forças engolindo um pouco de água. Dou quatro tiros pro alto. Ele olha pra mim quando a garota passa por ele. E num instante ergue seu braço na direção dela, segurando pelos cabelos e puxando para perto.
Vou me aproximando enquanto ela se levanta com a ajuda do casas Bahia. Só com um sutiã branco e uma saia jeans, seus cabelos castanhos viraram um emaranhado de fios com algumas folhas secas saindo deles.
Quando chego neles. Ouço o casas Bahia, que segura ela pela cintura, perguntar repetidas vezes se ela esta bem. A correnteza já esta um pouco mais fraca, o que é bom, pois começo a me sentir cansado. Cumprimento os dois. O casas Bahia me diz seu nome que não gravo, agradece pelo alerta falando sobre algo que não me recordo. A garota se chama Diana. Ela pega minha e não larga. O poste da esquina se liga meio sem forças, querendo desligar. Digo a eles que vi um provável rompimento da tubulação de gás, que pode comprometer a luz daquele lugar, assim como em breve qualquer travessia pelas ruas alagadas. Digo que preciso avançar, inventando uma desculpa sobre um tio doente com o qual vivo, estar em casa sozinho. A desculpa é esfarrapada e acho que o casas Bahia só finge acreditar por causa da pistola. Insinuo partir. O casas Bahia diz que vai ficar ali para guardar a moto dele. Que de tão suja de lama e sujeira não consigo descobrir a marca.
Vou embora com a garota a tiracolo. Pergunto de onde ela estava vindo. Da casa do meu tio, diz com um ar incerto. Estranha coincidência falo eu. Viro a esquerda na transversal seguinte. Subindo uma pequena ladeira e deixando a água para trás. Meus pés submersos nos tênis espirram água pra fora sem parar, fazendo um barulho de peido.
Pergunto pra ela para onde deseja ir. Meio que sem saber se desejo acompanha-la ou o que quero fazer. Ela então coloca a mão no rosto e fala um palavrão. Diz que estava com uma jornalista e que falou algo terrível sobre seu tio para ela. Que precisa ligar pra ele. Nesse momento fala outro palavrão e diz que perdeu sua bolsa. Pergunto se ela se lembra onde. Ela diz que foi antes da onda. Era vermelha. Eu seguro o riso e ponho a mão no bolso, onde sinto a nota de cinqüenta ainda ali. Pergunto o que é que ela falou, argumento que não pode ser tão grave assim. Ela diz com frieza, enquanto nos aproximamos a uma praça com bancos de cimento, arvores e orelhões telefônicos; que ele a pagava para fazer sexo.
Começo a dizer algo, mas calo a boca antes do final da primeira palavra. Ela vai de orelhão em orelhão. Todos mudos.
Digo a ela para ficar calma. Ela me diz que eu não estou entendendo, ela disse coisas também sobre o pai dela, que teria abusado da prima deficiente mental. Mas que dele ela não gostava mesmo, porem o tio pode não entender. É ela precisa de alguém do lado dela quando a verdade vier à tona.
Sugiro irmos até um prédio onde possa telefonar, apesar do descrédito na idéia, aceita. Paro no primeiro prédio aceso com luz elétrica. Ed. Enio Pereira de Souza. Pergunto para o porteiro, se ela não poderia fazer uma ligação. Ele diz que isso só com sindica. Aponto a pistola na cintura desde que entrei na portaria. Ele diz gaguejando que a um telefone no quarto dele, que ela poderia usar. Ele se levanta e ela o segui. Permaneço parado. Ela vira para mim e pergunta o que vou fazer. Digo que preciso ir andando. Ela faz um sim com a cabeça me beija no rosto e segue o porteiro, que me olha de rabo de olho até entrar numa pequena porta perto do elevador de serviço. Coloca o revolver na cintura e saio do prédio.
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Sim.
Ando pela rua que guina a direita. Olho para cima a esquerda, atrás dos prédios o morro se estende sem sinais da minha ou qualquer outra favela. Sigo pela calçada, antevendo meu retorno a uma área alagada poucos quarteirões à frente.
Os prédios se vão, dando lugar a casarões com muros cobertos de hera, piscina, garagem e muitos quartos.
De uma delas pula um homem de roupão vermelho, calça bege e uma blusa azul enrolada na mão esquerda. Atrás do muro alguém grita: socorro, ladrão tarado!
Eu olho para ele. Levanto a blusa para que ele veja minha arma. Ele levanta as mãos e diz é nois. Eu digo já é. E caminho apressado, assim como ele em direção a transversal, virando a esquerda. Enquanto os gritos na casa perdem a força.
Nos apresentamos. Seu nome é Lopau. Pergunto da blusa enrolada. Ele diz o que eu já suspeitava. Esconde uma algema presa em seu pulso. O qual ele pede ajuda para tirar, mas desconversa, ao ver pessoas com caras de desnorteadas saindo de suas casas.
Uma delas esta com um radio a pilha, do qual ouço pequenos fragmentos. Coisas como guarda nacional e não se sabe ao certo o numero de vitimas, ou ainda, que o alerta meteorológico desta vez não foi dado a tempo, pois o radar que ajudaria a prever a tempestade esta em manutenção desde agosto, e os satélites no momento da inundação monitoravam o furacão nos EUA.
Uma mulher sai toda perfumada e com seu provável melhor vestido rosa colado ao corpo jovem e sem sutiã. Lopau começa a falar algo na direção da mulher, mas esbarra no retrovisor de um carro, desconcentrando-se em sua argumentação.
Dois meninos pedem ao seu pai para descerem até a rua de baixo para brincarem na água, o que lhes é negado veementemente.
A rua guina a direita num declive rumo ao limite entre o asfalto e rios parados, antes ruas movimentadas. Pergunto a Lopau se ele tem alguma idéia. Nesse momento, surge a nossa direita um barco com um homem envolto num manto e capuz vermelhos. Gritamos em sua direção. Ele diz que a viagem custa dez reais por bairro. Sem chegar a perguntar a Lopau se ele tem dinheiro, aceito a oferta. O homem se aproxima com o barco do asfalto e nos entramos nele.
Nos apresentamos. Seu nome é Caronte. Entrego sem delongas, os cinqüenta reais e digo que nos leve até a entrada do morro onde moro e que depois pode levar Lopau onde ele quiser ir. Lopau me agradece. Caronte sorri e tossi por debaixo do capuz.
No chão do barco, vejo um papel com o seguinte texto: Assumo total responsabilidade sobre minha integridade ao optar em permanecer... o resto apagado pelo tempo e a má qualidade do papel.
Estranhamente isso me faz perguntar a Lopau sobre sua historia antes do acontecido. Ele me conta como se confidencia a um amigo, com direito a pequenos detalhes. Que estava na cadeia a espera de ser transferido, quando um bêbado em sua cela se levantou e começou a gritar. O carcereiro foi chamado por um preso, no provável momento em quem a água começou a invadir tudo. Do lado de fora ele podia ouvir os gritos dos policiais. Dando ordens que pareciam não ser cumpridas. Enquanto a água rapidamente entrava nas celas cobrindo tudo. Muitos ficaram desesperados e começaram a gritar ao carcereiro para que abrisse as celas. Que acabou cedendo, assim que um policial apareceu na entrada da carceragem armado. A cada cela que ele abria com lentidão por causa da água, algemava os detentos uns nos outros, assistido de longe pelo policial agarrado a porta de entrada. Lopau diz ter pensado com irritação, que só o que faltava era ele morrer afogado preso a um bêbado. Mais que mudou de idéia quando o bêbado ao ter a cela aberta, sacou uma faca escondida pondo na garganta do carcereiro, enquanto ele distraído algemava Lopau.
Dai em diante ele conta a história um pouco mais rápido. Fala que água começou a ganhar mais força e o policial, foi arrastado em sua direção e desarmado. Diz que dois grupos se formaram. Um com o cara que pegou a arma e outro com o bêbado e ele. Avançando devagar até a entrada da delegacia, na verdade com cautela excessiva, pois não encontraram nenhuma ameaça no caminho. A partir dai tudo começou a se transformar num cada um por si. Separando todos, sendo ele um dos primeiros a dizer valeu valeu. Andou com dificuldades por algumas ruas até encontrar essa área onde estava. Morto de fome e frio viu aquela casa, que pulou, encontrando uma trintona se masturbando na sala vendo filme pornô. Diz ele, que convenceu ela a amarra-la na cama, prometendo o melhor dos sexos. E que apos ela ceder as cordas. A primeira coisa que fez foi pegar no armário dela o roupão vermelho. Depois foi a cozinha pegar algo para comer. Nesse momento ele diz que ela gritou bem alto, mas que se calou quando ele ameaçou não transar com ela.
Paro de prestar atenção por um segundo, achando que ele pode estar inventando algumas partes dessa historia. Caronte alheio à conversa navega por ruas repleta de prédios comerciais com seus andares térreos submersos. Nos andares mais altos, volta e meia jogam papeis picados pela janela. Olhando mais atentamente ao interior do barco encontro uma chave. Sem acreditar direito, nem indago a Caronte o que acredito. Simplesmente tiro a blusa azul do pulso de Lopau e abro sua algema com a chave, enquanto ele falava que apos comer um pernil inteiro, finalmente cedeu a tentação e comeu o cu dela.
Lopau fica com cara de idiota. Pergunto a ele meio que querendo bancar o fodão sobre o final da historia. Porque a mulher estava gritando então? Ele me diz como se buscasse a informação num lugar longínquo no cérebro, que apos ejacular três vezes tinha que meter o pé ou dormiria com o pau dentro da ninfomaníaca.
Lopau desenrola e veste a camisa, na qual vejo agora os dizeres em vermelho: Volume dez: Inumanos Os fundamentos do subterrâneo.
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Lopau me diz se tenho um celular. Porque não roubou um? Pergunto a ele. Estava ocupado em achar isso. E tira do bolso do roupão, vários cordões de ouro e brilhantes, colocando de volta no bolso assim que os vejo em detalhes.
Passamos pelo que devia ser uma praça daquelas sem brinquedos ou arvores. Só arvores e um chafariz no meio do qual só vejo a ponta. Tamanho e a altura da água, que aqui deve estar em dois metros.
Caronte se manifesta. Tira uma mão direita do remo do barco, que treme um pouco enquanto vai na direção da manga esquerda. Da qual tira, tal como um mágico, um celular oi de dentro e entrega a Lopau.
Que disca um numero e fala com alguém chamado Marjorie. Você esta bem? Eu to. Estive meio ocupado. Onde esta? Mesmo!? Posso levar um parceiro. Então ta bom, to indo.
Peço para usar o celular. Ligo pra minha vizinha, que atende como se estivesse com a mão no gancho. Pergunto de minha mãe. Ela diz que minha mãe e irmã estão com ela, e que elas estavam preocupadas comigo. Digo que estou tentando chegar, e que não se preocupem. Ela diz que minha mãe deseja falar comigo, mas digo que é melhor não e desligo.
Lopau fala que já tem a boa. Pede a Caronte se ele sabe onde fica o hotel Novo Mundo. Ele diz que sim e tossi, pegando o celular e guardando de volta na manga. Lopau diz que uma amiga de infância ta num hotel no próximo bairro gravando um DVD. Falou que vai rolar coquetel e que ele pode convidar quem quiser.
Mas assim, no meio dessa catástrofe? Ele diz que não perguntou, mas acha que a área não deve ter sido atingida.
O dia finalmente vira noite sem estrelas. Alguns postes funcionam, mas a maioria não. Corpos bóiam nas transversais, e às vezes na rua em que trafegamos, sempre levados pelo curso da água para longe do barco e perto dos prédios, postes e pontos de ônibus.
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Caronte tossi. Lopau coloca metade de seus cordões de ouro e brilhantes. O barco começa a chegar no palácio do Catete com seu gramado submerso. À frente do hotel Novo Mundo em letras de néon verde na cobertura. Poucos andares acesos, somente os últimos. Escadas sobem do asfalto indo pela entrada com porta giratória, passando pelo balcão de recepção e subindo até os elevadores. A água quieta antes do ultimo degrau. Onde esperam iluminados por inúmeros abajures pequenos e grandes, o capitão-porteiro e uma loira com câmera fotográfica e vários crachás.
Observo isso próximo da porta giratória. Caronte se despede. Eu salto caindo na água com minha arma para cima travada. Lopau coloca o resto dos cordões num saco plástico da Rede Economia. Quando vai descer, Caronte diz que ele não pagou a viagem e, portanto esta preso ao barco pra sempre.
I ala! Exclama Lopau.
Eu seguro na porta giratória e aponto minha arma pra Caronte. Digo que ele não tem grana. Lopau ri da situação, olha para Caronte e não ri mais.
Se você me matar ele morrera antes do amanhecer, e um dia você não entrara no inferno, ficando perdido no limbo para sempre. Caronte não diz mais nada. Pega com a mão esquerda dentro da manga direita, um Cepacol sabor menta. Com o qual gargareja cuspindo depois na água.
Atiro na cabeça. Ele cai do barco com o impacto, fazendo a água invadir o ultimo degrau molhando o tênis da fotografa. O corpo bóia se afastando. Eu empurro o barco em sua direção, me molhando por completo. Por um momento me distraio. Lopau tenta pegar a arma da minha mão, mas falha. Aponto a arma pra ele. Caronte estava certo? Pergunto a ele, que pensa em dizer algo mais se cala e sobe. Sendo fotografado no ultimo degrau pela loira e cumprimentado pelo capitão-porteiro, que tira de cima de um abajur uma prancheta, iluminando um pouco mais a portaria.
Lopau. Meu nome ta na lista da Marjorie. O capitão procura com uma bic o nome por um tempo, por fim sinalizando que sim com a cabeça. Lopau aponta pra baixo e diz que sabe ter direito a um convidado. Eu subo deixando a arma antes da porta. Lopau vê, mas disfarça. O elevador chega inesperadamente. Nele entro eu, Lopau e a loira, com um falso sorriso congelado no rosto desde que ouviu o disparo.
Boa festa, diz suando frio o capitão-porteiro.
Lopau e a loira conversam. Mau reparo nela. Parece que se conhecem devido a Marjorie, quando ela tinha um outro grupo. Ela diz que Marjorie esta no meio de uma entrevista pro Globo no ultimo andar, o qual ele pode assistir se quiser. Lopau pergunta onde é o camarim. Penúltimo andar.
Vamos direto a ele, onde saltamos. Varias portas brancas com papeis xerocados se estendem num teto e chão beges, à esquerda e a direita. A loira nos guia duas portas a direita, entrando conosco.
Cadeiras pretas. Mesas brancas com frios. Dois enormes baldes com cervejas, refrigerantes e águas com e sem gás, todas no gelo. E um relógio na parede atrasado duas horas. Algumas pessoas se maquiam. Outras se alongam. Crianças andam pelo local, guiadas por uma líder-mirim.
Lopau vai direto na água com gás. Eu espirro duas vezes. Uma mulher que passa uma pequena pilha de roupas, se oferece para secar as minhas. De cueca, encaro umas mulheres bebendo cerveja num sofá, que me olham tempo suficiente apenas para saber se estou olhando também. Espirro novamente.
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Sim.
Ouço sons vindo de uma sala. Ele para e volta varias vezes: Cantora é fã de gêneros musicais como o soul, o blues e a MPB. Visto minha camisa pegando fogo e vapor. A porta de entrada fecha com a saída das crianças. A voz continua. Vejo uma tv dentro da sala.
Uma pessoa sentada num banco fala: Foram muitas reuniões e Buscopans. Re. Re. Até que acertamos o lançamento com um repertorio pop, na linha das musicas da Vagabanda, como “Você sempre será”.
Lopau chega com um Redbull e uma cerva. Saio de perto dele, indo a mesa branca com frios. Ele esta estranho, tem feridas espalhadas pelas mãos e na cara. Uma pessoa entrega um celular a ele. Ele entra numa porta no final da sala.
Acho que foram uns oito shows, afora alguns apenas para convidados. Ainda estamos experimento o repertorio e formato. Minha preocupação principal é ser atriz. Quando tenho tempo, podemos ensaiar e fazer shows. Quero cantar sempre, mas sem deixar de atuar. A voz falha. Alguém fecha a porta da sala.
Como um pastel de presunto. Alguém conversa comigo, mas eu não presto atenção. Numa tv em cima de uma cadeira perto da mesa, passa um desenho animado mudo. Ela continua puxando conversa, agora fala sobre o sexto livro do Harry Potter. Ela diz que esta na metade e faz mistério. Sumindo rapidamente.
Uma criança sai da sala onde Lopau entrou, e senta numa cadeira perto da televisão. Ela coça a cabeça e morde as unhas da mão direita. Uma garota senta perto dela e lhe entrega uma torrada. Que come enquanto explica a historia do desenho que ela já viu. Uma cachorra grávida é descoberta dentro de uma casa rica.
Estou divagando. Deve ser o cansaço.
Retiram a criança de perto da tv e mudam de canal. Um noticiário que informa numa tarja embaixo da tela, que a Presidência da Câmara pode ficar com PV. A criança chora. Quer ficar.
Boa noite.
Colocam na MTV. Alguém me passa um cigarro. Dou um tragada. Comerciais. Intervalo Dead Fish. Clip do Slipknot. + comerciais. + Charlie Brown Jr.
Porque meu cabelo não é assim? Pergunta uma mulher ao meu lado, apontando para algum lugar que não preciso.
Não faz isso, diz alguém em resposta. Você dorme e eu fico acordada.
Bandas velhas. Sex Pistols. Sento numa cadeira. Sinto-me cansado. Que horas são? Não pode fica de fora. Você por dentro de tudo que rola. No final de semana, flashs de Slipknot, Avril Lavigne e batalha do real.
Musica e política. Pergunto onde dinheiro. Eta porra! Desculpa. Onde é o banheiro. Ato falho. Indicam-me uma cortina roxa no canto esquerdo, perto da entrada. Aaaaaaaaaa. War. Pra que é necessária!? Diga de novo.
Marca registrada do Hip-Hop. Lute contra o poder. Inimigo Publico.
Vai trabalhar vagabundo 3.
Onde esta todo mundo? Os dois mais importantes. Caraca.
O cigarro esta pela metade. Jogo ele no chão. Na tv as imagens querem sair. O chão, me sugar. Algumas pessoas me colocam num sofá bege. Desço metafisicamente até o andar térreo por seis segundos e volto. O capitão-porteiro procurando a arma na entrada alagada.
Acho que estou com febre. Você vai ficar melhor gatinho, descansa um pouco. Que que eu traga algo. Leite e nescau. Jungle fever. Fechamos o artistas politizados. Embromation.
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Não.
Peço desculpas, ela sempre faz isso. Quando percebo a tempo, tento evitar. Você fumou um cigarro mesclado. Diz uma mulher de cabelo preto comprido e pele branca, usando calça jeans e top preto. Sentada numa cadeira perto da janela, que ocupa todo um lado do quarto, e vai do chão ao teto.
Acordo numa cama de camisa e cueca. Espalhados nela um cd, um livro e uma revista. Que folheio rapidamente com a luz de um abajur. Sinto-me renovado, como se tivesse dormido um dia inteiro. Será? Um relógio marca três horas.
Ela enfia a cabeça de uma menina ruiva de cabelo comprido usando somente uma saia jeans, num aquário perto dela. Fala consigo mesma que o tempo útil de lucidez precisa ser maior. Os braços da menina amarrados. No mínimo um minuto. Diz ela com frieza olhando para a janela.
Atrás do aquário tocando a janela com os pés, vejo uma outra menina desmaiada, loira tingida com cabelo molhado na altura do ombro, usando um vestido florido. Isso pode acontecer a qualquer momento numa cidade litorânea. Água respinga do aquário. Não se preocupe com elas. São fãs da Srta Estiano, diz ela pra mim. Engulo seco.
Você viu um cara com quem entrei? Estava com uns cordões e um roupão vermelho, pergunto. Deve estar na festa no andar de cima. Quer ir? Diz ela olhando para o relógio. Isso! Ela larga a cabeça da menina, que cai no pé da cadeira arfando e gorfando muito. Parabéns! Entrou em desespero, mas se conteve. Lembre-se do que te falei. Não entre em pânico. A menina bota para fora mais um pouco da água. Ela desamarra os braços da menina, que desaba no chão. Com a cabeça tremendo gesticula um sim. Agora ajuda sua amiguinha ai. Vamos. Ela pega minha mão e sai do quarto. A menina tosse e chora, se aproximando da amiga inconsciente.
Saímos do apartamento, agora vazio, não antes de encontrar e vestir minha calça, é claro. Andando pelo corredor ela olha no meu olho e sorri. Abre uma porta que da para uma escada. Subimos por ela até o próximo andar.
Assim que abrimos a porta, adentramos a uma enorme festa com som de banda ao vivo, vindo do outro extremo da entrada. Luzes saem esporadicamente do chão e do teto. Jaulas com panteras brancas e pretas atraem a atenção dos mais impressionáveis. Fumaça saindo de caixas de som espalhadas pelo local.
Avançamos esbarrando e empurrando geral e encontrando eventualmente algum conhecido dela. Pergunto o seu nome. Ela me responde, mais não consigo ouvir o que ela diz. Ela encontra mais um conhecido. Eu me afasto.
Me aproximo de uma mesa com frios diversos. O som da banda começa a me contagiar. Danço me aproximando de algumas mulheres. Assim que olham para mim, eu me dirijo para outra área.
É assim, ziguezagueando de grupo em grupo, que encontro Lopau. Sem o roupão vermelho e usando um short vermelho em vez da calça, puxando uma magrinha de cabelo curto e ruivo do meio do salão para um canto escuro, onde ambos entram e desaparecem. Ela volta instantes depois. Uma mão sai da escuridão para pegar seu braço sem sucesso. Desnorteada, se afasta do local. Indo até onde vejo agora o baixista e o percursionista da banda, tocando em cima de um palco improvisado nos fundos. Onde ela beija um homem engravatado, que segura um drink com uma azeitona e um palito.
Dou uma risada me aproximo do canto. Aceno pra canto esperando que ele me veja. Sou empurrado pra dentro por um grupo de homens de camisa sem manga e bermuda, andando e pulando em fila indiana.
Me tira daqui. Diz Lopau. Que foi? Pergunto. To ruim cara, acho que é catapora, sei lá.
Marjorie mal quis falar comigo. Me ligava querendo me ver todo dia. Agora isso. Melhor deixar quieto. Diz ele segurando uma lagrima em sua voz. Ela que pode! Pode o que!? Manda em você! Uma luz vermelha entra na escuridão. Vejo o rosto dele. Coberto de pequenas feridas e com os olhos vermelhos. Vamos então. Digo colocando sua mão em meu ombro, e rumando em direção a porta da escadaria.
Abro a porta. Um homem parado no topo da escada nos aponta uma arma para nossas cabeças. O olhar calmo do que tipo que amedronta. Lopau fica estático, travando a porta com a perna. Qual foi? Pergunto. Te conheço. Tu é IDI. Ele fala o nome de um morro onde morei. Lopau me olha atemorizado. Sobe os dois. Só quero conversar um pouco. Diz em tom de sarcasmo.
Subo com Lopau, que olha para baixo o tempo todo. Ao chegarmos ao topo ele se afasta da entrada, recuando para dentro do terraço. A arma ainda apontada para minha cabeça. Adentramos a um local iluminado por uma luz branca de cima da porta da escada, e uma verde do letreiro de néon do hotel. Ele bota o pé em cima de algo que chuta em nossa direção, batendo na minha canela e caindo no meu pé.
Uma cabeça de mulher. Dou um passo para trás. Num reflexo olho para o lado esquerdo e vejo um homem caído com a cabeça sangrando. Ele atira em Lopau no braço. Ela era atriz. Esqueci o nome. Tava hospedada aqui com a filha. Suíte 505. Diz ele friamente, enquanto Lopau se ajoelha contendo a dor do ferimento. Chuta de volta diz ele. Dou um forte chute que joga a cabeça perto do parapeito à esquerda do letreiro. Mais cuidado! Essa é a ultima, se cai vou me irritar. Diz ele comigo na mira se aproximando do local e chutando para mim. Chuto de volta, mais rápido e com mais força. Acerto sua cabeça. Ele se desequilibra com um fio e cai.
Fico sentado no chão por algum tempo, olhando para a cabeça de Fernanda Montenegro no parapeito prestes a cair devido a um corrente de ar. Lopau desmaia com a cara no chão. Coloco a mão em sua testa. Esta com febre. Olhos fechados contendo lagrimas. Treme sem parar. Puxa a camisa um pouco pra cima. Feridas na barriga. O numero de manchas vermelhas e bolhas na cara aumentando. Respiração lenta. Tiro do pescoço dele quatro das cinco correntes de ouro, e coloco no meu. Ele acorda por um instante e tenta me impedir, mas esta muito fraco. Adeus cara. Não quero fica aqui e descobrir que Caronte estava certo. Prefiro me enganar com a duvida até o limbo.
Desço a escada. A porta do ultimo andar é aberta por uma mulher de cabelo preto e pele branca, usando calça jeans e top preto que olha para mim, pega meu braço descendo comigo enquanto diz: Você! Primeiro a prioridade. Desculpa pelo mesclado. Geral era conhecido, pensei que tu sabia. Vem! Minha irmã estava te procurando. Ela ta lá embaixo.
Ainda indeciso, fico parado. A porta abre novamente. A garota ruiva de cabelo curto com quem Lopau tava falando, vêem na minha direção. A mulher do meu lado diz: Marjorie! E abraça ela. Ela me cumprimenta também, e pergunta se eu vi alguém, me descrevendo Lopau. Aponto pra porta aberta do terraço. Ela me agradece e sobe.
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Chegamos ao penúltimo andar. Desconverso com a mulher dizendo que Lopau me pediu pra pegar um remédio no quarto dele. Entro no elevador, mentindo ao prometer voltar. Ela se apresenta, mas não faço questão de lembrar o nome de uma gêmea.
O relógio do elevador marca cinco e vinte cinco. Desço até o térreo e sua entrada meio submersa. O capitão-porteiro dormindo numa cadeira, ao lado do radio em cima de um das dezenas de abajures que iluminam a portaria. Como eu vou sair daqui, penso ouvindo uma musica que conheço de Louis Armstrong.
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Salvo o texto e ligo para o Babão. Quero que ele leia ainda hoje, por um simples motivo. Dentre os meus amigos, ele foi o que mais criticou meus textos até hoje. Ele me diz que tem que levar a namorada em casa, e depois pode passar na minha.
No meio tempo que levo vendo algumas coisas, um outro amigo meu me liga. Urias. Tu vem pega os cds? O resto dos cds do Iky. Combino de passar lá com o Babão para pegar os cds, e se possível mostrar o texto.
Salvo em disquete, me arrumo e desço Santa Teresa. Passo pela casa de Paulo e me lembro da conversa que tive por telefone com a irmã dele, a fim de saber os sintomas da catapora que ele pegou do sobrinho. Acho que essa foi a primeira conversa que tive com a irmã dele, que sempre me evitou por me achar muito esquisito. Bom deixa pra lá.
Encontro Babão na esquina da Riachuelo com a André Cavalcante. Rumamos para o Urias.
Ao chegar ele logo nos tira do apartamento dele, nos locomovendo para o de sua avó. No mesmo andar. Fumamos enquanto Urias fala da fabrica da Antártica que demoliram na base da marretada do lado do seu prédio. Babão fica impressionado com a vista. Dali pode ver o Circo Voador, os arcos da lapa e se não tivesse um prédio na frente, a arquidiocese.
Voltamos para o apartamento do Urias. Entrego o disquete a Urias ele pega todos os textos nele e passa para uma pasta com meu nome. Babão me pergunta o tamanho do texto. Algumas paginas, digo eu. Urias abre o texto intitulado Regente e sai da cadeira para Babão começar a ler. Digo a ele que não precisa ler tudo. Urias diz que a musica que toca agora no computador, System of a Down, não e a certa para ler o texto. Babão diz que esta bom, pois não ouve esse tipo de som com freqüência.
Babão começa a ler. Conforme avança, diz que esta interessante, apesar de não entender o porque da estória do traficante. No entanto, vai ficando irritado com a falta de pontuação e com uma palavra, que descubro não saber o significado. O que me faz pensar que o texto vai precisar de uma revisão seria.
Ficamos jogando vários jogos, até parar em GTA. Na opinião do Babão, o melhor jogo do mundo. Jogamos até enjoar as três da manhã. Urias já dormindo no sofá.
Saindo do prédio dele, deduzimos pelo cheiro que o porteiro tava fumando maconha. Rimos disso. Babão me conta de uma situação parecida, que agora não me lembro direito. Depois fala que leu alguns trechos avulsos, e que eu tinha que imprimir e entregar a ele. Digo que não tenho tempo. O prazo é dia trinta. Tento explicar um pouco do processo. Falo que peguei recortes de jornal e criei um elo entre eles. Revelo que fiquei espantado mesmo quando descobri que o furacão de Nova Orleans, que usei como premissa para a estória, realmente atingiu o Rio inundando vários bairros. Fato que me deixou assustado com o poder da coincidência.
Subimos o Bairro de Fátima com direito a escadaria, que Babão fora de forma e pós-operado, arfa para vencer. Nos despedimos. Subo para casa e a estória continua.

Vejo o barco de Caronte encostado num poste. Um trovão avisa que uma chuva esta a caminho. Desço o primeiro degrau no exato momento que Louis Armstrong termina sua musica. E como acontece com pessoas que dormem com musica, o silencio acorda o capitão-porteiro. Que tosse e se espreguiça. Mais um trovão. Passo pela porta giratória. O capitão-porteiro acena para mim.
Nado em direção do barco. Ao chegar nele, com medo de virar ao tentar subir direto, decido por escalar o poste e pular para o barco. Uma garoa fina começa a cair. Sou tomado pelo frio, me amaldiçoando por não ter pego um casaco sequer. Começo a remar. Nenhum sinal na manhã cinza, de Caronte ou da guarda costeira. Avanço rumo ao Centro.
Olho para dentro do barco com curiosidade e receio, fruto de lembranças ainda frescas. Sem nada que pareça ter valor a primeira vista, volto minha atenção para o rio rua a minha frente. Passo pela testa de Getulio Vargas à esquerda numa praça. Numa arvore a minha direita, vejo para meu temor o manto vermelho dele. A chuva aperta intensificando o frio. Pego o manto e coloco rapidamente sobre minha cabeça e tronco. Os dentes tremendo. O cheiro de comida azeda e feridas antigas no manto sendo levados pelo vento gelado.
Avanço em meio a sonhos e pesadelos. Nos sonhos, isso tudo é um sonho a não ser pelos cordões, que aparecem em meu pescoço quando acordo em minha cama. Nos pesadelos, homens sujos de sangue surgem da água tentando virar o barco, enquanto pedem que os conduzam ao inferno.
Estou na Gloria, quando um grito vindo de longe me tira do transe. Olho para uma mulher toda de branco com um guarda-chuva preto, em cima de um muro de pedra. Aproximo-me. Seu nome é Nyah. Ela me pede carona até a Cruz Vermelha. Aceito, com a condição que me pague dez reais pela viagem, o que concorda prontamente. Ela desce uma escada à direita e entra com cautela no barco. Tiro o manto e a cumprimento com um sorriso. Ela senta-se ao meu lado, seu guarda-chuva protegendo a nós dois, e me paga, dando inicio a viagem.
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Num pequeno percurso ela atende dois telefonemas, cada um de um celular diferente. No primeiro, um celular prateado, ela responde que esta tudo bem, pois vai conseguir chegar na hora. Já no segundo, um celular preto, fala com uma voz mais doce dizendo que a noite passada foi inesquecível. Completa falando que assim que tudo estiver resolvido, vai poder ficar mais tempo com ele.
O mar fica revolto. Ondas cada vez mais fortes batem a nossa direita. O celular da segunda ligação de Nyah cai na água.Viro com esforço a esquerda no Passeio. O guarda chuva levado pelo vento e atingido por um raio. Ondas cada vez mais me conduzem aos arcos da lapa. Receosa, Nyah abaixa e se cobre com o manto. O barco batendo de leve em postes até passar pelos arcos.
Ouço o barulho um pouco antes de ser atingido pela por uma onda que nos leva Riachuelo adentro, quase virando o barco, que bate em carros parados no meio da rua. Passo pela primeira transversal à direita sem muito controle ainda do barco. Todos os
bares e prédios com suas portas fechadas.
Duas transversais adiante a força da onda diminui e consigo guinar o barco para entrar na próxima transversal à direita. Rua dos inválidos e suas carcaças de automóveis, visíveis na superfície apenas pelo teto enferrujado.
Chegamos no cruzamento da Rua do Rezende, Rua dos Inválidos e Men de Sá. Viro a esquerda na Men de Sá. Nyah liga para um numero. Diz a alguém que esta chegando. Um barco passa por um cruzamento a minha frente. Nele vejo um homem de terno e gravata com os sapatos envoltos em sacos plásticos falando em inglês num celular. Chegamos a Cruz Vermelha. Nyah pede que a deixe na frente do Hospital do Câncer. Apos agradecer a viagem, ela se agarra ao corrimão, pulando para a rampa. Fico com vontade de ligar para casa. Chego perto de um orelhão, tiro o fone e descubro com certa alegria que esta funcionando.
O telefone toca e ninguém atende. Preocupado, remo até ao Catumbi fechado com portões de isolamento. Recuo até a outra ponta do elevado. Onde largo o barco e subo a pé para o Santa Bárbara. O rio Presidente Vargas nos dois lados abaixo de mim.
Assim que me aproximo do túnel percebo que essa área não foi atingida pelas ondas. Na saída da apoteose, vários caminhões parados anunciam a realização de um show de Avril Lavigne. Nome que localizo na lateral de um ônibus leito escondido numa transversal.
Subo uma das milhares de ladeiras que levam ao Largo das Neves. Braços cansados. Pernas moles. Cordões para dentro da camisa.
Ao chegar no Largo sou surpreendido por um conhecido meu com camisa florida e cabelo rastafari com uma garota de cabelo castanho e casaco de crochê andando com um radio ligado na estação de noticias. Em que ouço que a Presidência da Câmara esta empatada entre o PC do B e o PFL. Dando a vitória no segundo turno ao PC do B. Ele me pergunta onde estou indo. Minto dizendo que irei na casa de um amigo meu musico. Diz se um conhecido de nos dois não estaria fazendo musica com ele. Digo que esse amigo tem uma banda, e que acho que não estamos falando da mesma pessoa.
Ele então muda de assunto falando que saiu ontem com os filhos da vizinha para pegar doces. Olho para ele com uma cara confusa. Cosme e Damião. Diz ele.
Despeço-me, subindo pelo trilho do bonde até a Almirante Alexandrino. O sol sai por um instante, iluminando minha caminhada. Passo por uma casa, que agora é só uma pilha de tijolos e escombros envolto com faixas policiais. Subo a Almirante. A chuva se intensifica. Descalço escorrego em algumas pedras antes de chegar em casa.
A quarta parte de uma casa maior branca, alugada pelo dono. Um alemão que vive viajando.
Entro pelo portão de ferro, surpreso de minha chave ainda estar no bolso. Tiro minha camisa, e chamo por minha mãe e irmã sem resposta. Vou na cozinha, banheiro e quarto. Em todas os cômodos, velas apagadas em cima de pires e latas de cerveja. Acendo uma vela na sala. No meu quarto onde acendo outra vela, vejo o recado em cima de meu som. Minha irmã diz que minha mãe teve um problema de garganta, e que o medico dela não a deixou tomar seu remédio habitual. A pedido dele tiveram que ir ao hospital Quarto Centenário, para a minha mãe realize alguns exames.
Um trovão me tira o pensamento. Um estrondo vêem da cozinha, junto com uma nuvem de poeira que apaga as únicas velas acesas, no meu quarto e na sala. Um segundo estrondo vêem do quarto da minha mãe. A luz da casa volta, pisca e estoura a lâmpada da sala. Assustado, me jogo pela janela para fora da casa. Relâmpagos iluminando um deslizamento que engole a minha casa e a da vizinha rapidamente. Pego minha chave abrindo o portão de entrada, a tempo de sair da frente do monte de terra, que carrega metade da minha casa e parte da vizinha até o pedaço em que a minha rua faz uma curva à direita, descendo à Almirante Alexandrino.
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Termino o texto. Penso quem seria a primeira pessoa a ler. Será que trazer o furacão até a minha casa foi uma boa idéia? Isso não me deixa com muita possibilidade de deixar esse texto com um final feliz. A transmissão do encerramento da seção de votação na câmara passa na tv. Penso novamente em minha admiradora. Se foi um trote, vou descobrir já.
É agora! Pego o telefone e ligo para o celular dela. O coração bate rápido dentro do olho do furacão da apreensão.

O numero que você ligou, esta fora de área ou desligado.

Deixa pra lá.
Tento mais uma vez de manhã. Fazendo os acertos finais no texto, antes de ir ver uma proposta de emprego. O numero toca e atende. Pergunto o nome dela? Marcela. Voz de sono. Acho que não a conheço. Desligo, pedindo desculpas por tê-la acordado.