Cap 1 mundo feliz
Existeuma regra não escritaquediz. todas as boas históriasdevemcomeçar mal eterminar bem. Se ahistória que estouprestes a contar eboa, ou seterminabem, nao sei ao certo dizer;posso apenasafirmar queo começo, comcerteza nao e mal. amigos, familia, diversão, saude, paz. O quemais alguém pode querer?Tiveum inicio devida simples. E por simplesnao quero dizer insatisfatorio, mas simtudo o queprecisava ser. Olho essebaú de pequenasboas lembranças e logo revejo uma grande partede minharotinaquasediária. casacolégio-casa-dever-de-casa. recordo me delatão rapido nao porquegostasse, mas por ser o frequente preludio para duas das minhas atividades favoritas: jogar fliperamae desenhar. vivi de jogar fliperama desdequeminhaalturapermitiu alcançar os controlesdas maquinas eonde tivesseuma la estavamos eu emeu grupo para desafiar quemquer que fossea um duelo. quando o dinheiro ou os adversáriosacabavam, iamos acasa mais proximadesenhar, imaginar o futuroe rir uns dos outros. me apaixonei pelo desenho bem cedo e com algumadedicação e talento, conseguiaaqui e ali ser elogiado. desenhavaquase tudo de cabeça, quasetudo, eesse quase, essadeficiência, naquiloemque eu fazia de melhor. aindaum mero detalhe, mais tarde transformariasenarazão daminha existência.
Cap 2 fidelidadeéilusão
minhaunicadificuldadena artedo desenho erao corpo feminino.nao adiantava copiar quem quer que fosse, e olha quecopiar ealgo o qual detesto atéhoje, sempreficava ruim. o problema entretanto,não erasó conseguirdesenhar o corpo da mulher. os segredos da almafemininatambem fugiam demim. Seus gostos. Desgostos. Assuntos preferidos.Como fazê las rir. Amigas. Namoradas. Sexo. conversas sobre relacionamentos. Ex Namoradas. No tempo certo,essas experiências aconteceram a todos os meus amigos, menos comigo. E tao certo como um diaapos o outro, pouco a pouco, senti afrustração perantemeus iguais. tantosanos amargando uma solidão a contragosto, explicam tamanhafraqueza em nao me afirmar quando consegui o que tantodesejava: alguemparaafinal chamar deminha. no afãdesatisfazela em todos osseus caprichos melindrosos, admiti fazermos umménage,eu, ela eoutro homem.
-se vocênao fizer issopor mim, estátudoacabado entrenós.
ali, na minha frente, vendo abeijar outro, o centro do meu universo implodiu em mais fragmentosqueas estrelas do firmamento. Minha mentepermaneceu um tempo em branco. Incapaz de conseguiraceitar o ocorrido ou mesmo formularum so pensamento coeso a respeito. Longe dos doismais tardenaquelanoite. Veio me, semsaberdireito o porque, arecordação da maneiraingênua comque gostei de uma menina pela primeira vez. saiana rua e não mepermitiaolhar nenhuma outra. Nem si quer ummero vislumbre. Prova estado meu respeito. Do que entendia por estar comprometido. Coube ao destino me ensinar que a fidelidade, considerada por mim uma fundamental virtude, uma prova unica do sentimento, eramera ilusão juvenil.
Cap 3 última noiteemcasa
As semanas posteriores ao ocorrido, passei trancado em meu quarto sem comer ou dormir, apenas chorando. Imerso noslençóis etravesseiros.O tempo a enganos de alguns,não semostrou remédio esim veneno. Alternei surtos de pânico e ansiedade. Ficavahoras semmemexer deitado na cama e de repentevinhaum impulso quase incontrolável decorrer aos gritos. Nadamais importava. Rasguei décadasdemeus melhores desenhos. Trabalhos atuais quaseprontos.Rascunhos. Inúmeras ideias que permaneceriam incompletas. Estavaa ponto de enlouquecer. Eu sabia.Ninguem precisava mealertar. Assimcomo ninguem podiame ajudar. Iria definhar edebom grado rumar ate acompletainsanidade. Bastavamalgumas semanas sozinho commeu tormento. De onde veio a força necessáriapara me tirar desteestado mental não sei afirmar. Quando me recordo dessa passagem, pareço falar da vidade outrapessoa criadapor mim parauma estória.Os fatos soaminventados. Eis umaverdade. Somos ação, reação einvenção. O poder contido em criar. Ter uma idéia boa o bastante que lhe indiqueum caminho aseguir. Tamanho entusiasmo e determinação, me pareceu como quando vocêacorda por vontade propria de um pesadelo.Emricos detalhes, sabiaagorao que fazer. iria para bem longe e laficaria. fazendo da necessidade em sobreviver numambientediferentee inóspito, uma ocupação integral para a mentee o corpo. Tal enfática decisao possibilitou enfimminhaprimeira noiterelativamentetranquila. antesdedeitar, já com minhabagagem pronta, fui ate asalae sem nenhum receio menti aos meus familiares.
-gentetenho uma propostadetrabalho temporário em outroestado.nao sepreocupem. vou ficar na casa de um amigo. Daqui umas semanas estou de volta.
Nunca mais voltei. Emuitasforam as minhas casasdesdeentão.
Cap 4 um novo lugar a mesma dor
Ao chegar a novacidade. Uma dosede adrenalina me invadiu o corpo. Meu foco eraclaro. Trabalhoe moradia o quanto antes. O espaço curto de tempo não me intimidava. Estavapronto para tudo. Dormiria ate mesmo no perigo gelidodas ruasem última alternativa. Acontecesseo queacontecesse eu enfrentaria. Afinal, existem coisaspiores que não ter uma casa. Umcolchão para deitar.vejaso olhar de um homem cansadopor anos eanos de rejeições e saberas. O rapido sucesso sem ajudaou incentivo logo advindo.Por mais que contrariasse as expetativas de familiares e amigos.
- cara,tenho receio devocê sozinho, longedaqui.
Não foram suficientes paracomover quem realmente interessava. Ligava semparar,paranoico delaestar com ele. O celular não atendia e eu continuava a imaginar o pior ea metorturar. Maior porem era aangustiaquando aceitavaa chamada. Poisalgumas vezes ele realmenteestavacomela. Eraai, queminhasbelas palavras de reconquista. Meus argumentoscapazes detrazela para morar comigo. Perdiamse no vento. Restou nosmeses seguintes a dor de ainda recordar apouca felicidadevivida. De não ter entendido as desventuras do destino. Tantas foramasidéias que tive. Os anseios. Mil projetos. Chega de tamanho descrédito ao quefaço nas pessoas que mecercam. Melhor nada fazer. Poupar me o esforço emvão.
Cap 5 amorte espreita
Foi a reboquede tais acontecimentosqueingressei pesado nas drogas.Quero porem os avisar. Não se enganem. De forma alguma meu relato é uma justificativa. Fizprimeiro porque quis. Econtinuo afazer porque gosto. Aceitohumildementemeu vício. Na esperança que ao finaldeste capitulo, no proferir da derradeirapalavra, ele se vá. Numa noiteselvagemmeses após chegar, experimentei a combinacao de cocainae mulheres.Com a mente acelerada. Euforica. Incapazde focar num raciocínio minimo que fosse. Dotado de umdesejoa flor dapele maior que qualquer umantes.Os males nos quais me torturava conseguiramser vencidos. Um existir guiado pela artee pelo sentimento, da noitepro diaganhou novo propósito. Oprazer no sexo. Quando ecomo eu quizesse. Sem restrições ou negativas de qualquer tipo.Guiar mepelo sadismo.A mão gentilmente levadaao pescoço delas. As duaspor vezes. Sufoca-lasatebem perto do limite. Bater em seus rostostão fortequanto possível. Ouve quem confessasseexperimentar pelaprimeiravez comigo tais praticas.
- vocêé legal. Enão estou falando por causado sexo sabe. Vocêé realmente legal. Disseuma dentreelas, ao me beijar feliz.
Coisasassimemnada mecomoviam. Poisalem do extase havia apenas a timidacerteza da perdição logo a frente. Indagacaoes prolongadasnao tinhamespaço. Somentemais mulheres maisdrogas hojee agora. Um imenso borrão semnome e sem rostos. Desfiledecorpos nusa transpirar febris e sedentos. Tamanhafarranao tinhacomo durar. O dinheiro diminuiu. Eme agarrando ao resquício daquelesdias, continuei coma cocaína. Passavanoites inteiras a cheirar ea memasturbar. Tendo nos sites pornos o principal alimento de minhas fantasiaspervertidas.Viviapara sustentar o teto sob a cabecae o vício enquantotodo o resto se degradava. Pilhasderoupas e lixose formavam pelos cômodos da casa. O quepouco me importava. Ninguem ia lá mesmo. Os meses transcorreramsemgrandes sobressaltos. Ateque certavez, a drogaveio mais forte ou eu estava mais fraco. Nao sei. O quesei é quederepenteminhas mãos ficaramfrias e suadas. No inicio achei estranho, porem relevei. Passado alguns minutos uma intensadesorientação e tontura me pôs alertado que viria. levantei epara o meu temor os pioresindícios do quadro de overdoselogo transpareceram. Céleretaquicardia, fortespontadas no coracao euma sufocantefalta de ar. Lembro de passar a noitea andar de um lado ao outro na casa,molhando pulsos epescoço comaguagelada, afimdedesacelerar osbatimentos econter os demais sintomas. Em plenodesespero eu apenas pensava.
-Vou morrer aqui. Longe de tudo e todos.
Cap 6 um anjono inferno
Acordei pela manha como gosto de sanguena boca eo alivio no coracao de haver sobrevivido. E da próxima vez. Teriatantasorte? Não podiacontinuar com aquilo.Porem como domar o demônio dentrodagarrafa? Optei por recorrer a uma boate. Gastar todoo meu dinheiro duranteuma unicanoitede intensa luxuriae assim impedir o pior. O local estavavazioquando cheguei e teria idoembora, mas estranhamente nao fui.Para ondepoderiair afinal? Peguei uma cervejano balcão. Coloquei umamúsicae como num passede mágica o anjoapareceu. Seus pes nao tocavamo chão. elaflutuavapelo local. ninguém pareciapoder encostala. Eu a olhei. Ela retribuiu.Disfarçamos. Nos aproximamos comum desinteresse nadaconvincente aambos.
Sentadosem cadeiras de uma mesma mesa. As rapidas apresentações ascenderam a chamadeuma cadeiade eventos,dos quaisa ordemsempre difere cadavezque relembro, sem jamais perder o brilho. Vertemos aslágrimasdeum encontro amuito aguardado, fomos protagonistasdo mais insuperável dossexos, cantei músicas de amor aplenospulmões. dançamos lentamente comnossos corpos colados um no outro, invadimosum quartoe transamos novamente, destavez sem pagar nem o gerentesaber e fazendoo possível para conterosconter nossosmais delirantesgemidos.declamei aopedo ouvido versoes proprias de celebres poesiasmalditas, bebemos o que haviade mais doce emais potenteno bar, nos beijamos as escondidas na escadaque conduziaa saída. a noitepareciamagica, especial, so nossa. Nao era inocente. Aquela naotinha sido a primeira boatequeentrei. nem elaa primeira prostitutacom quemme deitei. Muito menos elaera imaturaa pontodese envolver nessenivel,com cadacliente aentrar pelaportado estabelecimento. No entanto havia algo ali. algo arriscado. Sem nome. Algo necessário a ambos e que nas palavras delapropria:
- Era ruim... porem bom.
Cap 7 luxúria não é prasempre
Práticavamos sexo o tempo todo anos disponível. Naboate.Em motéis.Na minha humildecasa. Por vezes na frente das pessoas em lugarespúblicos ou avisão detodos no meio do salão daboate. Suafalta de pudor aumentava aminhalibido, já proxima do queconsiderava ingenuamenteo meu limite. Horas intermináveisde prazerperduraramcom meus olhosfocadosnos seus. Olhos de leoa. Predadorae cuidadora.
-o que você estáolhando?Perguntava ela commalícia,montadaem mim duranteo ato.
Por umlongo período o sexo e os meandros acercado local, se tornaram a coisamaisimportante na minha vida. Essainspiração proveniente de corposnus espostos de livre e espontâneavontade. A conversa despretensiosa cheiadeolhares lascivos. O toque profundo dentro delasatesentir a humidez emdemasia escorrer pelos meus dedos. Foramo convitedefinitivo. A portadeentradasemnenhuma indicação dasaída. habitué queera agorado recinto, voltaemeia tornava me alvo do assedio de mulheres na flor da idadee desprovidas de pudor.suas investidaseu alimentavapelo simplesdivertimento de observar ateonde iriampara ter tambem, o que sabiam previamente pertencer a outra. Amais cobiçada pelosfregueses. A mais invejada dama da noite. Para seequipararemestavam dispostas aos meus mais absurdosdesignios. Beijarem se de tal formaque o salão inteiro seexcitasse. Brigarematéverterno chao o sanguedeambas. Vestiremroupasprovocantes, paraque eu as rasgasse pelo puro deleiteesem o menor aviso. Mostrar de relance apenas a mim, partesíntimassuas, como fariauma falsa puritana. permitir meu sêmen escorrer por suas pernas, enquanto caminhavam no meio das ruas ou pelo salão.
-vocegostadisso, gosta?
Uma simples confirmação numsorriso meu era satisfatório a elas. Com o raiar dosdias a libertinagem dava prosseguimento no ambiente detrabalho. Tornei me instrutor de duas novatas.E juntos passavamos o diainteiro fazendo graça e apapear futilidades.Dentro deminha mente imaginavaeu e elasesvaziando todas asgarrafas, até que nos, imersosem tamanhaembriaguez brincassemos
como adultos, semvínculos ou compromissos. Na hora de sairdo trabalho pegávamos o mesmo ônibus. E atrocadeolhares recíprocos entre os três, dava a minhafantasiacontornos reais. Uma unicaquestão de escolher entrehoje, amanhã ou depois de amanhã o onde. mas foi ai que de repente, astrêsdamanhãdeumnoitequalquer no meio de um banho, o questionamento essencial afinal se fezpresente.
-Eu?
cap 8 o preço da conquista
Leiamcomatenção. Mesmo quejatenhamlido antesnum outrolugar.Nao se podeter tudo. Fardospesados demais devemser aliavados do que e superfluo ou deixaram cair semquerer, aquilo que é primordial. Antes da hora derradeira, descartei por inteiro os malese mantive emminhavidaapenas o anjo. Revelar essadecisão a ela.O qual fizcercado dereceio. Estreitou emdefinitivo nossoslaços. Ea partir dai, o anjo passou a confidenciar certas passagens sombriasquetinhavisto e vivido. Um necessário testemunho suponho. Os quaisnão interrompia sob pretexto algum. Tais histórias tinham namorte apersonagemprincipal. pessoasquecriaram problemas na boate e forammortas no local ou levadasparaalgum terreno baldio.matadores que elaconheciaeseus friosrelatos sobreexecuções emsua maioriapor motivos banais. Olhares mal interpretadosculminavamemhematomas múltiplos. Piadas inapropriadasrespondidas a facadas certeirasdiretas na jugularou emtiros visando primeiro a virilhae posteriormentea cabeça. Como destino final, estes desavisados seriamembebidos comurinae enterrados. O som do disparo. Os gritos deajuda sufocados pelosanguea sairem profusão, davam aos olhos vidrados do anjo umaaurade êxtase.O cheiro da polvoraespalhado por todo o cômodo. O silencio instaurado aposo ato. Armas defogo eseu uso faziamparte do cotidiano delae nao estranhei saber que elatambém possuiauma:
- ninguém temuma arma se nao for prausar. Ea maioriaatira só pra ver o corpo cair.
disseelacertavez, numa declaração quegelou minhaespinha com todas aspossíveisimplicações. Atemesmo o quarto de nossaprimeiravez, nao escapavados mórbidos relatos. neleumsenhorhavia sido morto apos descobriremque nao tinha dinheiroparapagar a comanda. Sob incessantes socos,seus dentesforam arrancados eos glóbulos oculares afundarampor completo, em seguidapontapés deslocaramsua mandíbulae logo aposa destruíram. Arrancando aos pedaços. por um periodo a naturalidadeem taiscircunstâncias me assustou. afinal, de ondeeu vinhaa morte erauma fatalidade enao uma vontade imposta. Aquele cheirodemorte.Tão familiar. Passadade geracao ageracao. Parteintegral agorademim. assim como seriademeu filho esucessivamentedo filho dele. saturado dessecotidiano parti. Deixei o vale sombrio sem dizer adeus a ninguem, inclusiveao anjo.Pois confesso, me faltaria coragemde proferiro adeus final.
Cap 9 um barco longe no horizonte
Melhor assim. Semi nu. trajado com míseros trapos. Num barco acruzar sem rumo o horizonte.Ergo as maos aos ceusa procurade um alento. Um sinal. Uma estrelaguia.
-estarei contigo até você estar forteo suficiente para continuar sozinho. Disseme certa vez o anjo.
Se pudesseprotelariauma vidainteiraesse momento. Porem a divisão emnossos caminhos surgiu. O anjo, descobri mais tarde, foi proteger os seusdeintempéries. E a mim, restou correrem buscado quepossuo agora. Uma pistolana mão, o dinheiro do mundo naoutra.A primeira apontadapara o passado. A segundaa esperado futuro. Poder paraalgo muito certo ou muito errado. Tantascartas a disposicao pedemqueeu reflitaosacontecimentos sob nova ótica. Repense os errosdisfarçados de acertos. A infidelidade. Minhapartida. Tantaschances tiveprapensar nelas antes. Aqui. Longe de tudo e próximo do que mais importa: Eu. Emvez disso, perdi tempo acreditando que minha quaseoverdose haviasido descuido, quando hoje sei. erameu último recurso. Falhas menores se comparadas com o que veio aseguir. Sexo fútil. Violência desmedida. Bom. Chega! Jafalei demais. Melhor calar. O valor do silencioé maior que o valor das palavras. Que a falta delas sejaouvida.
Cap 10 o legado da testemunha (epílogo)
O narrador, artistasob as opiniõesdemuitos o mais louco do grupo brutal crew, e MC lapa, precursor do rap no bairro carioca de igual nome, estão numa mesa do bar vulgarmentechamado FIM DO MUNDO. Uma banda tocaao fundo. Dos 4 instrumentos no palco, 3 são usadosno momento. A morte no baixo,o sexo na bateriaeo dinheiro na guitarra. O piano e o único que permaneceignorado. Distantee desinteressantecomo umapeça empoeiradademuseu.
- onde está o amor?PerguntaMClapa.
-amor? Quem é esse? Retruca o narrador.
-o pianista. nao lembra? Aquele, apaixonado pelodinheiro e queviviabrigando coma morte. Vou te ser sincero. É atebom elenão vir. Chato pra caralho. ElucidaMClapa.
Os dois riem. Mc lapaaprecia a última musicado repertóriodabanda. Percebeos musicostentaremcompensar a faltadeum instrumentista, com entusiasmo e uma pitadadevirtuosi. como num flashback reve os artistas memoráveis. Momentos efêmeros quepresenciou ali. O climaesfumaçado. as luzes bruxuleantes. Os escassos frequentadores. Nostalgico elepropõe um brindeao momento. O narradorse recusa.
-enfim,haquanto tempo hein. Você e o narrador agora?... Perguntamc lapa sarcastico. -Haha Desculpate barraremna entrada. Sabe como é. Quantos anos fazemque voce nao aparece.Ate me assustei quando recebi sua ligacao. Nemimaginava quevinhade fato.
Semretrucar, o narrador pega uma pastadeixada em cimada mesa. Retiraum envelopepardo entreguede pronto amc lapa.
- nosso tempo estáacabando.Portanto vou serbreve. Sei quevocês me achavamincapaz de terminar.Eis a prova contrária. Tenho uma novahistória. A melhor detodas. E pegar ou largar. O narrador olha profundamente MC lapa - quando a precisainspiração veio. Tive até que parar de escrever por umtempo. Pensar em profundidade. Pesar cadapalavra. Agora que terminei. Posso dizer semmedo. Ebem diferentedesta arte limonadaem voga essesdias. A distânciaobservo e cada vez maisme interessomenos. Parece que apenas os fracos não desistiramdetentar. Ondeestá aquela frase capazde capturar o instante?Uma nuancedaminha,da
sua alma bastariaentende.Seus segredos.Os males. Tornaramsemirrado coro afônico subnutrido sem conteúdo. Desafioem vão voces eo mundo a seremmelhores.
Brás Cubas Reloaded
                    com fesceninas intromissões por Reinaldo Moraes  
             CAPÍTULO 53 - . . . . . . . . . .
 Machado começa:   "Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula, - coitadinha, - trêmula de medo, porque era ao portão da chácara."  Daí, começo eu:   "Chamei Virgília na chincha, como os pósteros mais acanalhados hão de dizer do século vinte em diante, algo que me é dado naturalmente saber, agora que desfruto da mais folgada e onisciente eternidade. Foi um amplexo de braços e pernas de sucuri famélica. Aproveitei para tacar-lhe a mão em sua fornida retarguarda, encontrando, em lugar das ansiadas nadegotas, nada além da armação e do estofado da famigerada anquinha que ela usava à ré por baixo do vestido, a empinar-lhe a silhueta feito pata choca, como se usava muito naquele tempo.  Todavia, a minha canhestra tentativa de fazê-la sentir a pujança túrgida do meu membro romântico viu-se em grande parte frustrada pelas insanas camadas de roupa que separavam a minha calça estufada na altura da braguilha da femínea região pubiana que eu tanto ansiava por ver, e tocar, e adentrar, mais ou menos nessa ordem, sem falar nos mais desafiadores seios já vislumbrados num decote nas valsas que havíamos contradaçado nas últimas semanas insanas numa feérica fieira de bailes.   Sob o vestido, abrigava-se uma profusão de sei lá que telas de armação, anáguas de cambraia, camisas de linho, bloomers, espartilhos de barbatana de
tubarão, e mais corseletes, calçolas e calçoletas dos mais finos linhos e da mais alva e suave seda do Império do Meio.  Como diria meu desvairado amigo Quincas Borba, naquele momento Humânitas, o princípio ambivalente da vida, aqui em sua versão masculina, buscava com transcendente energia a Humânitas em versão feminina -- e vice-versa, saliente-se, pois Virgília também parecia desejar-me com fúria. Mas entre Humânitas macho e Humânitas fêmea, interpolava-se a moda, essa intrometida e voluntariosa senhora envolta numa torrente de tecidos, vedando aos olhos e ao desejo do homem o único tecido que verdadeiramente lhe importa -- o insuperável tecido epidérmico com que o Criador revestiu o corpo do primeiro homem saído do barro e, a seguir, o da mulher, feita de matéria mais refinada, qual seja, uma costela de homem al primo canto.  Como que adivinhando minhas ardentes intenções ao enlaçar e juntar seu corpo ao meu, com força e quiçá alguma violência, Virgília deslizou sua mão fina de fada -- num de seus adelgaçados dedos luzia um solitário diamante que refletia e refratava o luar nas cores do arco-íris --, deslizou sua rica mão, eu dizia, até a região central da minha calça que abrigava àquela altura uma contrafação simbólica e miniaturizada de um gigante Adamastor ansioso por adentrar a epopéia, apresentar-se logo no proscênio -- -- "Eu sou aquele oculto e grande Cabo, / A quem chamais vós outros Tormentório", já cantara Camões -- e cumprir com denodada paixão os trêfegos desígnios de Cupido.  Ato contínuo, não me lembra se ela, se eu, ou se o indigitado Cupido, alguém, em todo caso, providenciou a soltura do gigante júnior, expondo o mitológico monstrinho ao sereno e às insidiosas correntes de ar frio que haveriam, anos mais tarde, de levar-me deste mundo, lugar divertido, afinal de contas, ainda que por vezes frustrante, enfadonho e fátuo, como nós viventes sabemos.  Eis que Humânitas, atuando desde as profundezas do psiquismo de Virgília, transmudou-se no mesmo instinto maternal que anima até o coração das feras, como o da loba que amamentou Rômulo e Remo nos mitológicos primórdios da antiguidade romana, e ordenou à sua hospedeira fêmea que se postasse de joelhos à minha frente, e hospedasse em sua boca o cabeçote luzidio do hirto
cetro masculino de Humânitas macho, numa operação que aqueles mesmos romanos antigos houveram por bem apodar de felatio latino.   Sim, eis a verdade deliciosamente nua e crua que nem o manto escuro da noite infinita conseguia ocultar: Virgília sugava e delambia meu phallus indômitus com salivosa sofreguidão, enquanto eu depositava as mãos sobre o capuchinho estilizado que lhe cingia as madeixas castanho- aloiradas, acompanhando o sobe-e-desce daquela cabeça amada que com tanto fervor homenageava minha agora altiva cabeça auxiliar -- a que age sem pensar e sempre a favor de si mesma.  Jogando minha cabeça para trás -- a de cima, no caso --, preparei-me para vivenciar o transe gososo, fluvial, niloamazônico, que logo me acometeu, regido pela ambidestra lei de Humânitas. Por únicas testemunhas, as estrelas sempre complascentes com as loucuras dos amantes de todos os séculos, desde o mais remoto clichê da antiguidade até o maelstron insondável dos tempos futuros. O líquido e certo é que jorrei na boca de Virgília toda a minha felicidade de homem. O que faltou para tal momento atingir um inbaudito ápice poético na história geral das paixões humanas foi que Virgília deu de tossir um pouco, engasgada com a minha descendência descartável, e eu tive que lhe dar tapinhas nas costas, socorrendo a pobrezinha com meu lenço de Alcobaça, já um tanto maculado pelas secreções nasais resultantes do consumo de rapé, e ajudando-a a recobrar a postura bípede."  Conclui Machado:  "Uniu-nos esse beijo único -- breve como a ocasião, ardente como o amor, prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, -- uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio, - vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes (...)."  
                                    CAPÍTULO 57 - Destino
           Machado manda:
 Sim senhor, amávamos. Agora, que todas as leis sociais no-lo impediam, agora é que nos amávamos deveras. Achávamo-nos jungidos um ao outro, como as duas almas que o poeta encontrou no Purgatório: Di pari, come buoi, che vanno a giogo; e digo mal, comparando-nos a bois, porque nós éramos outra espécie de animal menos tardo, mais velhaco e lascivo.  E aqui mando eu:  E olhe que, de lascívia e velhacaria, Virgília entendia bem. De lascívia, de velhacaria e de audácia, acrescente-se, pois que nossos encontros eróticos, por dois longos anos a fio, soíam ter lugar sobretudo na alcova conjugal de Virgília e Lobo Neves, seu bastante marido, por insano que isso possa hoje parecer, e era de fato demência pura, posto que a paixão nada mais é que a mais florida loucura.    Ao cabo daqueles dois anos, os três santos de plantão no oratório barroco sobre a cômoda na sagrada alcova matrimonial que adorávamos profanar, entre eles Santa Luzia, a protetora da visão, portando sua bandeja com dois olhos azuis de vidro. A trinca de santidades já devia estar bem habituada aos nossos arroubos dionisíacos diante de seus olhos de madeira policrômica. Confesso que mais de uma vez tive o impulso, de ir lá fechar de par em par as portinholas daquele oratório. Mas sempre achava tarefa mais urgente a desempenhar, ali na cama com Virgília.  Deitávamos e rolávamos sobre o fio da navalha, cancelando de nossas consciências a sempre palpável possibilidade de o Lobo Neves tornar à casa a desoras e nos pilhar em flagrantre deleite em seu próprio leito, tornado palco do mais desgrenhado adultério, sem falar no assédio dos olhos e ouvidos dos fâmulos e mucamas sempre atentos à movimentação íntima de seus amos.  Quanto à criadagem, aliás, foi o gênio burlador de Virgília quem se incumbiu de arquitetar um tão brilhante quão simples estratagema para neutralizar a bisbilhotice dos subordinados. Quando eu aparecia na chácara, sempre nas horas modorrentas da tarde, encaminhavam-me, por determinação da sinhá, ao fumoir do casarão, onde, na companhia do meu "puro" cubano, do Jornal do Commércio e de um cálice do excelente Porto do Lobo Neves, eu passaria
alegadamente algum tempo, uma hora e meia, duas que fossem, à espera do senhor da casa, desenfadando-me destarte do ambiente rotineiro da minha própria vivenda.   Minha presença na saleta ladeada por estantes que subiam até o teto, com livros de todo tipo e tamanho e estatuetas de Sócrates, Goethe e o genial caolho que compôs Os Lusíadas, era certificada pelo aroma pervasivo do El Guanabara, meu charuto preferido, fabricado por um tabaquero de Cuba especialmente para o público brasileiro, e famoso por carburar ininterruptamente até o fim, uma vez aceso, mesmo sem ninguém a fumá-lo. Virgília dava ordens expressas para que eu não fosse jamais, em hipótese alguma, incomodado. Se precisasse de algo, eu mesmo me encarregaria de pedir.  Ocorre que, meros três minutos depois da minha chegada, eu abandonava o charuto a fumegar sozinho, fazendo da minha presença ali mera fumaça. Enquanto isso, a parte mais palpável do meu ser se esgueirava para a alcova do casal, onde, posta apenas num camisão da mais fina cambraia, e já alongada na cama de baldaquim, um capricho aristocratizante do casal, a trêfega Virgília me estendia os braços nus, preâmbulo da nudez total que logo viria a lume.   No vai-da-valsa dos nossos intensos conúbios, Virgília tomava lá suas precauções contraceptivas. Nos períodos em que a senhora Lobo Neves se acreditava fértil -- entre o nono e o décimo-sexto dia, a contar do primeiro dia em que lhe desciam as regras -- eu, involuntário Onan bíblico, era compelido a praticar o desagradável e constrangedor coitus interruptus, derramando minha seiva numa toalhinha providenciada pela prestimosa senhora da casa para tal mister.   Isto, até o dia em que propuz trocarmos a perereca pela marreca nos dias férteis, e também naqueles em que lhe aportava à doca o packet boat, também dito paquete, que vem dar ao porto do Rio de Janeiro, vindo da Inglaterra, a cada 28 dias. Para reforçar meu pleito, entoei um lundu safado muito em voga naquele tempo:
   'Iaiá não teime
   Solte a marreca    Senão eu morro    Leva-me à breca'
 Com o auxílio lubrificante de um balsâmico azeite de oliva extra virgem do Mediterrâneo, ótimo pra pôr em saladas e em rabadas, e de um  travesseiro que Virgília mordia com força, de costas para mim, eu lhe metia meu metafórico charuto na marrequinha com uma devoção priápica que nem Abelardo ousou dedicar a Heloísa, ou Tristão a Isolda, ou Júlio César e Marco Antônio à insaciável Cleópatra, sem embargo da vã jactância varonil."  Volta o Machadão:  "Eis-nos a caminhar sem saber até onde, nem por que estradas escusas; problema que me assustou, durante algumas semanas, mas cuja solução entreguei ao destino. Pobre Destino!"